Olá, gente bonita!
Como vão vocês? Espero que bem. Hoje não vou repetir aquele ritual de “faz tempo que eu não apareço aqui, como sempre” porque não é verdade: estive aqui um dia desses falando de Império Esquecido. Mas posso dizer que hoje, depois de muito tempo sim, venho falar de literatura sem falar de um livro em especial. Vamos falar sobre Literatura. Hoje quero trazer uma discussão que vem formigando na minha cabeça desde que comecei a escrever minha nova empreitada literária e me dei conta de umas coisas... digamos... interessantes.
Em outro post aqui no EL (este aqui), eu problematizei algumas questões sobre a crítica literária e sobre o que é considerado bom e o que é considerado ruim, e como e por quem essas coisas devem ser definidas. De lá até hoje, não mudei de opinião quanto a nada do que disse no post citado, mas essa questão voltou a pipocar na minha cabeça quando eu... bem... me vi, deliberada e conscientemente, lendo coisas “ruins”.
Antes, deixe-me apresentá-los a uma expressão que um professor de Literatura meu usou e eu acho perfeita: “estamos falando de filé mignon, não de Big Mac”. Esse comentário surgiu em uma conversa de Facebook em que, não me lembro por que, os participantes falavam de grandes obras da Literatura e eu, cheio de graça feito ave Maria, sugeri adicionar 50 Tons de Cinza à lista, e então veio o comentário do meu caro professor. Ultimamente, tenho lido mais Big Mac’s do que filé mignons, e isso tudo se dá, parcialmente, graças a uma plataforma online que descobri por meio da minha colega de trabalho Lorena (autora de Império Esquecido), que também publica textos por essa plataforma. Explico melhor no próximo parágrafo.
Estou me referindo ao Wattpad. O Wattpad é uma plataforma voltada à publicação independente de material de vários formatos, sendo os mais comuns as fanfics e romances novelescos (daqueles de banca de jornal que eu adoro). Meu interesse por essa plataforma veio, como eu disse, quando, há mais ou menos um mês, tive um insight e comecei a escrever o que eu ainda não sei se vai se encaixar no formato de romance: uma história chamada Vincent (clique aqui para ler[/jabá]). O barato do Wattpad é que, geralmente, as postagens acontecem meio que em episódios, então o leitor lê e espera o autor postar o próximo capítulo (por isso gosto de chamar minha história de web series, haha).
Graças ao sistema de tagsque o site disponibiliza pra ajudar na divulgação das histórias, existe aquela listinha já tradicional de “histórias recomendadas”. Antes de prosseguir, um comentário paralelo sobre um tema que eu tentei encaixar neste mesmo post, mas acho que não consegui: me impressionou seriamente a quantidade de histórias em que a palavra vampire está ou nas tags ou no título. E me impressionou mais ainda a quantidade de leituras que essas histórias recebem (algumas delas têm mais de dois milhões de leituras; isso quer dizer que, somadas as leituras individuais de cada capítulo, mais de dois milhões de pessoas passaram os olhos por ali, e esse número leva em conta o endereço de IP dos usuários, então, por mais que haja uma margem de erro aí por conta de rotatividade de IP, o número é assustador). Eu pensei que esse boom de fantasia envolvendo lobisomens, vampiros e outras criaturas das trevas + mulheres indefesas já tivesse passado, mas, pelo menos no Wattpad, não passou. Enfim, continuando. Na minha listinha de recomendações, baseada nas tags da minha história e nas histórias em que eu clico, aparecem recomendações de histórias de amor homossexual, que é sobre o que eu escrevo, basicamente. Curiosíssimo que sou, parei pra ler três dessas histórias (duas em inglês e uma em português).
Não é querendo me gabar nem nada, mas meus poucos anos de experiência me permitem dizer que eu escrevo muito bem, obrigado. Quando abri a primeira história, comecei a ler sem muito interesse e, logo na primeira página, havia erros de ortografia e inadequações sintáticas que saltavam aos olhos. Com o desenrolar da leitura, parecia que o autor escreveu a história exatamente como se estivesse contando a um amigo em um encontro casual. Aqui e ali entravam umas metáforas bem pobres, que deixavam o texto ainda mais pífio. Depois, fui pra segunda história em inglês. Esta estava um pouco mais bem escrita, mas ainda apresentava uns problemas meio graves, especialmente pra um falante nativo de Inglês. A terceira, então, parecia ter sido extraída de uma comunidade de contos eróticos dos tempos do Orkut, mas, nessa terceira, o cara devia ter um senso autocrítico meio superestimado e se achava escritorzão, o que me deixava ainda mais desgostoso da falta de senso estético do negócio todo.
Mas, feitas essas críticas todas, sabe qual é a pior parte?, que as três hitórias tinham em comum? Eu digo: era IM-POS-SÍVEL parar de ler. Impossível. Baixei o Wattpad pra celular e fui pra cama. Debaixo de cobertor, de madrugada, com tanta coisa mais útil pra fazer (especialmente dormir), eu devorava as histórias. As duas de uma vez (a primeira eu abandonei porque aconteceu um negócio na história que me broxou e eu desisti, e a escrita tava muito sofrida); qualquer hora que eu estava à toa, pegava o celular e ia continuar as leituras. E assim foi; acabei as duas em três dias. Pra vocês entenderem meu drama, vou dar a sinopse das duas histórias que eu terminei: a primeira, em inglês, era sobre um rapaz alegadamente heterossexual que se apaixona, da noite pro dia, pelo capitão do time de futebol americano da escola e eles começam a se envolver quando esse capitão pede pro apaixonado ajudá-lo com os exames finais da escola. Essa história tem uns vinte capítulos e esses vinte capítulos são a descrição mais pastelona do desenvolvimento do relacionamento dos dois. Umas questões familiares são postas em jogo, também; coisa de sair do armário e enfrentar problemas de aceitação. Nada muito profundo e tudo bastante exagerado. A segunda, em português, era sobre o filho de um advogado que trabalhava pra uma grande firma e estava prestes a ser demitido. Pra garantir o emprego, o pai pede pro filho se aproximar e fazer amizade com o filho do dono da firma. O que ele não sabia é que o filho do dono da firma era um dos caras com quem o filho coagido fazia bullying no colégio. O relacionamento deles começa quando o protagonista vai cumprir as ordens do pai e se aproxima do filho do dono da firma. A história segue a mesma linha da anterior, com a diferença de que, nessa, todos os personagens têm seu nível de insuportabilidade; uns mais, outros menos, mas não dá pra se apegar a nenhum deles.
Ainda assim: li tudo praticamente da noite pro dia. Por vezes eu me pegava pensando “PQP, mas que historiazinha mais fuleira!”. Não adiantava: eu não conseguia parar de ler. O nível de idealização romântica das situações postas em ambas as histórias beirava o ridículo e as cenas de sexo, que não eram poucas, só serviam pra aguçar a curiosidade. Eram dois Big Mac’s com molho picante. E, no final, é claro que tudo termina bem e todos os “problemas” que aparecem durante a narrativa são resolvidos sem grandes traumas. A história acaba, nada muda na vida de quem lê, o coração sente aquele lapso de ternura romântica e logo a memória seletiva apaga. É isso que acontece com a maioria das histórias ruins: lemos por curiosidade e, quando elas acabam, falamos mal e as esquecemos em pouco tempo, não é? Pois é. Mas e quando a história ruim te toca?
Anteontem à noite eu comecei a reler um “conto” (tem quase 140 mil palavras, mas o autor jura que é um conto) que foi literalmente tirado da extinta “Contos Eróticos Gays” no Orkut (e atire a primeira pedra quem é gay e nunca deu uma passadinha por lá). Me lembro de ter lido essa história há uns quatro, cinco anos e ter gostado muito, tipo muito mesmo. O autor diz que é tudo verdade, sendo ele mesmo, inclusive, o protagonista da trama, mas há elementos da própria narrativa que condenam a falácia (contudo o pessoal, naquela época, acreditava piamente que era tudo real). “Dois heteros numa balada GLS” é o nome da história (dá pra encontrá-la online (foi o que eu fiz, by the way)). 140 mil palavras é mais ou menos um livro de 400 páginas. Li tudo de anteontem pra ontem, metade antes de dormir e metade assim que acordei. E, olha, mesmo sendo a segunda vez que leio (eu já tinha me esquecido de quase todos os eventos), parece que a história acabou e arrancou um pedaço de mim.
O padrão da narrativa é o mesmo das três outras histórias que eu já descrevi, o texto é narrado em primeira pessoa de forma bem prosaica, há marcas de oralidade por toda parte, os detalhes eróticos (que são muitos, afinal o romance é, essencialmente, um “conto” erótico) são descritos em minúcias e os três personagens principais, que formam uma espécie de triângulo amoroso, têm seus altos e baixos e seus momentos. A história têm muitas reviravoltas, muitos detalhes desnecessários, o protagonista é irritante, vive sempre num conflito que não se resolve até a literalmente última página, mas, quando acaba... foi uma facada no peito, e olha que ninguém morre.
Quando terminei de ler, pouco antes de vir aqui escrever, fiquei com isso na cabeça. O que é que existe nessas histórias “ruins” que consegue atrair até leitores mais exigentes, por mais que a maioria deles seja orgulhosa demais para assumir? Em termos de construção artística, de engenhosidade, de técnica, todas as histórias que citei são indiscutivelmente descartáveis, mas em termos de conteúdo, essa última foi um balde de água fria na minha cara, e as outras duas me fisgaram mesmo sendo completamente vazias. Nessas horas, o que conta mais? A forma ou o conteúdo? Ou essas histórias conquistam por despertarem o lado romântico obscuro de quem tem um lado romântico escondidinho lá nas profundezas da empáfia (frases pseudo-intelectuais como essa existem aos montes nas três histórias que li até o fim)?... Fiquei pensando nisso e ainda não consegui chegar a uma resposta. Mas, depois de todas essas leituras, acho que consegui compreender com um pouco mais de empatia as pessoas que leem o romance pornô da E. L. James e se derretem pelo Mr. Grey... Ah, como eu compreendo!... *suspiro*
Bom, deixe-me voltar pra minha catarse, agora. Com licença.
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