Bom Crioulo - Adolfo Caminha, por Natan

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Boa noite, gente!

Como vocês estão? Eu vou muito bem, obrigado, aliás, muito bem mesmo, porque acabei de acordar (quando este post estiver publicado, já fará algum tempo) e estou com aquela sensação de sono pós-sono que, olha... Uma delícia. Vontade de voltar pra cama, mas vou ficar acordado porque a vida não pode ser tão zoeira assim. Como foi o final de semana? Bom? Então tá bom. Já não preciso dizer que sumi e voltei porque é assim que eu sempre introduzo os posts e é sempre verdade, então vamos pra parte que importa.

Novamente, venho, hoje, trazer uma resenha, e não um post falando sobre qualquer coisa no Paralela Mente (mas calma: eu ainda farei esse post sobre qualquer coisa; já estou trabalhando em algumas ideias). Venho, hoje, falar de um romance que li ontem, da noite pro dia e, olha, o negócio é feio. Vem comigo!



Pois muito que bem. Hoje venho falar de uma história que acho que não seria considerada um clássico. Ou todos os livros escritos antes do século XX são considerados clássicos? Bem, não sei. Sei que a história é antiga, do finalzinho do século XIX. Bom Crioulo, o nome, de Adolfo Caminha. Não sei se é ignorância minha (muito provavelmente é, sim), mas eu nunca tinha ouvido falar desse nobre cidadão até tomar conhecimento dessa história. Bom Crioulo se enquadra no período literário correspondente ao Naturalismo, no Brasil, embora essa coisa de escolas literárias seja meio problemática. Pra quem não sabe, o Naturalismo foi um parente do Realismo, que se preocupava em mostrar a realidade nua e crua, geralmente do lado mais podre, falando de temas pesados/polêmicos, como violência, instintos humanos meio ~selvagens~, incesto, homoerotismo e por aí vai. Outra coisa interessante é que está associada ao princípio Darwinista de que o homem é fruto de seu meio; aquela história, lembra?, lá no primeiro ano do ensino médio? Então.

E, bem, esse parágrafo introdutório, basicamente, resumo o livro todo. Mas antes de ir à história, deixe-me contar como cheguei a ela: escrevi um conto (que você pode ler aqui) e, nesse conto, há um homem negro como par romântico de outro homem. Um amigo meu leu e disse que a história o fez lembrar Bom Crioulo, aí já me interessei. Fui ler a sinopse do livro e, realmente, havia certa semelhança: homem branco se envolve com homem negro. E, continuando a pesquisa, outra informação interessante: de acordo com a Wikipédia, Bom Crioulo é considerado por alguns o primeiro romance homossexual da literatura ocidental. Eu, claro, diante de tal informação, fui atrás do pdf na hora (a história é de domínio público, aliás; você pode lê-la aqui) e li da noite pro dia, literalmente. Mas deixa eu falar sobre a história, depois eu volto nessas questões acima.

Bom Crioulo narra a história de Amaro, o "Bom Crioulo" (apelido dado por seu bom comportamento e atributos físicos acima dos dos demais), um escravo fugido da fazenda que encontra emprego num tipo de embarcação que agora eu me esqueci do nome e toma gosto pela coisa e vira marinheiro. No começo da história, Bom Crioulo está recebendo um castigo físico por ter se envolvido em uma briga pra defender Aleixo, que é o rapaz lourinho afeminado de olhos azuis da embarcação, por quem Bom Crioulo se afeiçoa imediatamente. A história se desenrola a partir desse sentimento avassalador que Amaro desenvolve por Aleixo e, ó, é drama.

O livro é curto, a história se desenrola sem muita prolixidade — o que, pra mim, é ponto positivo —, a linguagem é aquela coisa típica da época (ler com o dicionário ao lado) e tem bastantes termos relativos à Marinha, que eu boiei um pouco. O xis da questão é a polêmica, né? O cara é um ex-escravo fugido, vai parar numa embarcação e acaba se apaixonando por outro cara. Muita coisa perigosa aí: negro, fugido e gay, no Brasil do século XIX. Complicado, né? Não conheço a obra de Adolfo Caminha. A escrita dele não é nada muito excepcional em relação aos já consagrados, mas uma coisa me chamou a atenção: a habilidade que o autor teve para mostrar, mesmo o livro não tendo sequer uma cena de sexo explícito, que o desejo de Bom Crioulo por Aleixo era algo selvagem, ferino, irrefreável, e acho que quem já sentiu algo desse tipo, de alguma forma, se identifica com o desespero do personagem, que quer, a todo custo, satisfazer seus desejos, mas está impedido pelo espaço e pelo meio em que está. Imagina. Uma embarcação, cheia de outros homens amontoados, e ele lá, louco para fazer um amorcom o loirinho. Onde? Que hora? De que jeito? Não dá! Confesso que fiquei com pena dele, coitado. Não só por isso, mas porque ele passa por uns bons bocados durante a história.

Tem mais coisa legal pra se falar, mas aí já é spoiler. A forma como o princípio Darwinista que eu falei se aplica na história também é interessante: (acho que isso não é spoiler) dentro da embarcação, Aleixo (o loirinho) é, basicamente, a mulher da história, ou a mulher de/para Amaro, e o narrador o descreve como tal, acentuando, em algumas partes descritivas, os traços sutis como os de uma mulher, dizendo, aliás, em algum lugar, que, para ser uma mulher, só lhe faltavam os peitos! Depois, fora da embarcação, envolvido em outro meio, ele passa a ser o homem, e já ganha outros traços. Nessa parte da história entra Dona Carolina, que é outra personagem interessante, mas da qual não dá pra falar sem spoilar, então vamos deixá-la pra lá. Uma coisa, todavia, que cabe discutir: será mesmo que Bom Crioulo foi o primeiro romance homossexual da literatura ocidental? Eu não sou entendido de literatura (muito pelo contrário, gente; não façam boa imagem de mim que eu só pareço Cult), mas vejam só: O Retrato de Dorian Gray (que o Escolhendo Livros já resenhou, aliás; você viu? Não? Veja aqui) é uma história anterior a Bom Crioulo e traz como personagens principais três personagens que apresentam características distintamente homossexuais: a admiração de Basil por Dorian, por exemplo, é algo que, pra mim, ultrapassa a admiração que se tem por um amigo querido. Agora, se quem deu a Bom Criouloesse título se referia ao fato de os personagens principais terem de fato se envolvido emocional/fisicamente, aí eu já não sei. De qualquer forma, cabe contestação, porque Shakespeare escreveu sobre tudonessa vida: certamente há de ter um casal gay lá no meio dos manuscritos dele, ha!


Bom Crioulo é uma leitura desconfortável. Os ambientes pútridos, próprios do Naturalismo, são realmente impressionantes e, se a vida naquela época era, ipsis litteris, como o narrador descreve, demos graças a Deus por viver no século XXI. E, se Oscar Wilde foi preso por escrever Dorian Gray, que nem era tão gay assim, e isso na Europa de países ricos e modernos para a época, imagina o tititi que Bom Crioulonão deve ter causado nesta nossa terra brasilis de 1895. Parabéns a Adolfo Caminha pelos culhões. 

Fico por aqui, rapaziada. Qualquer hora eu volto com mais; demoro mas volto. Um abraço procês!


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