Excalibur - Editora Draco, por Julio.

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Fonte // Editora Draco
Bem-vindos! Selem os cavalos e baixem os elmos. Já afiaram suas espadas devidamente? Os feitiços estão guardados embaixo da manga? Não esqueçam de levar a sua fé, seja ela nos Deuses Antigos quanto no Novo que surge no horizonte. Venham, escolhedores! Hoje somos Arthur, somos Merlim, somos Mordred, Guinevere, somos qualquer um que possa lutar por seus objetivos e crenças mais profundas. Hoje somos a prova de que as lendas jamais morrem, mas são renovadas sob vários olhares.

Excalibur é a coleção de contos arturianos da editora Draco, organizada pela autora de Castelo das Águias, Ana Lúcia Merege. Aqui, 12 contos recontam as lendas, desvendando mitos e abraçando nossas almas, puxando-nos para um universo onde tudo é possível. A seguir, vejam a minha visão pessoal de cada um dos contos e do livro em si. Avante! 


A Memória da Espada, Roberto de Sousa Causo, o primeiro conto se trata da história de Durius, o único homem que conseguira ferir o Rei Arthur em toda a existência. Morgana ressuscita o cavaleiro e faz dele seu criado, dando-lhe a missão de matar o rei. As coisas não são fáceis, porém, pois várias escolhas e dramas internos se colocam a frente da missão - transformando a vida pacata dos personagens num turbilhão.


A narrativa, em terceira pessoa, conta a história sob os ponto de vista de quatro personagens: Arthur, Morgana, Durius e Kay - o fiel cavaleiro do Rei Arthur. A história é recheada com a complexidade dos personagens - que chegam a ser reais, palpáveis. As histórias paralelas ao trama central chamam atenção e deixam o mundo presente no conto mais mágico e agradável ao leitor. O personagem de Durius é aquele que mais chama atenção do leitor - se sobrepujando aos demais. A narrativa é simples, de fácil absorção, mas sem perder a grandiosidade. Os diálogo ocorrem com naturalidade e nada é forçado dentro d'A Memória da Espada. O desfecho é mágico. Definitivamente um dos meus favoritos. 

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O Espelho, Liège Báccaro Toledo. Baseado no poema "A Dama de Shallot", O Espelho conta a história da menina Mary que, ao encontrar um antigo espelho no porão de sua casa, vê-se em um mundo mágico cheio de fadas e seres maravilhosos. Tal mundo, porém, torna-se o seu maior pesado ao descobrir sua história e quem lá o habita.

Narrado em primeira pessoa pelo ponto de vista de Mary. A história é incrível, com beleza nos detalhes. A personagem é incrível, cativando logo o leitor, assim como as descrições nos fazem entrar em um pesadelo mágico. 

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Momento Decisivo, Luiz Felipe Vasques & Daniel Bezerra. Momento decisivo é, de longe, o conto mais peculiar de toda a antologia. Sua história ocorre no espaço sideral, onde a humanidade (após várias mudanças genéticas) se espalhou. Várias colônias surgiram, e, consequentemente, a guerra entre elas. O conto mostra a profecia feita por Myrdyn (Merlim) sobre como Arthur, o soberano das colônias, iria trazer paz e união para toda a humanidade. Temos, aqui, toda a história de Lancelot e Guinevere e outras tramas clássicas vista sob um filtro de naves, lasers e prótons. 

A princípio, a proposta assusta o leitor e faz com que um pré-conceito surja: "será que é possível por um conto arturiano em um cenário de ficção científica?  A história é original, não caindo no clichê típico da lenda clássica - claro, temos as guerras, os reinos, etc. Mas o cenário difere muito, e isso contribui para a história e complexidade dos personagens. Há dois pontos de vista aqui, ambos bem trabalhados. As cenas de ação são uma joia descritiva, e tudo isso é feito com um texto de absorção fácil. 

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Cavaleiro Anônimo, André S. Silva. É a história trágica de um menino que sonha em se cavaleiro. Acompanhamos o personagem desde sua infância, quando ajudava o pai a ser lenhador, até os acontecimentos que o fizeram escolher a vocação de cavaleiro. Contra os pais, o menino foge de casa e vai para Camelot, onde consegue alcançar seus objetivos. Porém, a ambição é maior e ele deseja algo mais. Sua vida vira de cabeça para baixo ao mostrar a verdadeira realidade por trás de suas escolhas. 


A trama é simples, mas contém traços que a distinguem de histórias parecidas. O conto é escrito de forma mais crua, verdadeira, trazendo, em sua história, uma linha tênue que parece transcender a ficção. Em primeira pessoa, o protagonista conta a história vista pelo tempo presente - o que pode confundir o leitor algumas vezes, mas nos deixa mais próximos do personagem. 

Acho que os personagens poderiam ser mais trabalhados: as poucas cenas em que temos profundidade são um pouco estreitas, devido ao objetivo que parece ser a base do narrador. 

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Mau Conselho, Pedro Viana. Conta a história clássica de um ponto de vista completamente diferente. No conto de Pedro Viana, o jovem Artur é obrigado a deixar o reino - e então tem de assumir um identidade nova. Vira Mordred, apelido dado por seu mestre; o grande mago Merlim. Quando descobre que seu irmão Geoffrey assume a sua própria identidade, Arthur (agora, Mordred) perde o rumo em meio a sentimentos que podem mudar o destino de todo o reino. Todos os personagens clássicos são reunidos na narrativa: e a trama se prende na visão de Arthur sobre Geoffrey, o amigo Lancelote, Morgana, Merlim, e é claro - a bela Guinevere.

Ótimo conto, com um dos enredos mais originais de toda a coletânea. A narrativa cativa rápido o leitor que, sob o ponto de vista de Mordred, engloba com voracidade o mundo apresentado e as características fortes dos personagens - tamanha a maestria narrativa. O ponto de vista é natural, cabendo perfeitamente ao personagem - quase parece que é o próprio protagonista que descreve todas as cenas, mesmo sendo em terceira pessoa. Os diálogos são naturais e bem colocados, e a leitura não é pesada nem de difícil absorção. Eu adorei cada parte do conto, mesmo.

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Você já sabe o que fazer.


A Solução Final, A. Z. Cordenonsi, conta a história do imperador Arturious, governante da Britonnia. Sob um filtro futurístico, a história é uma reintrodução da lenda clássica. Há uma guerra acontecendo, e, além da batalha iminente, o Imperador tem que se preocupar com boatos sobre o fato de a sua esposa, a Rainha Guinevere e o Cavaleiro das Rosas, Lancelot, estarem juntos. A figura de Morgana aparece como a irmã de Arthur, que é a grã-sacerdotisa e grande espiã do reino. As intrigas surgem em cada linha, fazendo o personagem beirar o desespero.


Narrado em terceira pessoa, a história é boa - mesmo contendo todos os clichês dos contos arturianos, a trama dá reviravoltas que prendem o leitor. Há, porém, ao meu ver, um enorme excesso de informação nas páginas transcorridas - nomes, lugares, datas... que confundem a leitura. Mesmo com uma linguagem não tão rebuscada, a densidade com que as coisas foram comprimidas deixam o texto pesado e tornam a leitura preguiçosa. Em alguns casos, tive que voltar certas páginas para saber quem era tal personagem e por que estava em determinada cena. 

O mundo criado por Cordenonsi é incrível, e os personagens que o compõem poderiam ser melhores trabalhados, mas parece que a grande quantidade de informação deixa a personalidades deles fraca, diante do geral da trama. O final é bom, mas parece chegar de tropeços, sem explicação ou lógica bem trabalhadas. 

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O Herdeiro de Shallot, Ana Cristina Rodrigues. Narra a história de Phelipe, que cresceu em Shallot, sem nunca poder sair das paredes do castelo. Quando mais velho, a sua mãe, então, revela o destino do rapaz e a sua história. Phelipe, ao completar 18 anos, após ser feito cavaleiro, segue para Camelot - onde se encontra completamente sozinho.

A história se trata, basicamente, sobre a questão da transição do paganismo para o cristianismo. O protagonista vê-se em uma rede de poderio comandada pelo Deus único, e jura jamais deixar a fé que lhe acompanha desde o nascimento. Há sensibilidade e beleza no uso das palavras. Os diálogos são ótimos, e os personagens cativam facilmente o leitor. Só achei o ritmo muito rápido, como se houvesse pressa em terminar a história. O final ficou vago, sem deixar tempo para cenas que causem um sentimento de clímax no leitor. Parece que é sempre um jogo de expectativas não saciadas. 

Trecho: 
Era uma vez um elfo encantado que vivia num pé de caqui e sabia que, pra ampliar, tinha que clicar bem aqui. RIMOU EU SOU UM GÊNIO!



A Fada, Marcelo Abreu. Ok, eu amo esse conto, me animei. Somos apresentados aqui a um mundo pós-apocalíptico, com o caos da guerra iminente matando lentamente a esperança do povo. A protagonista, Julia (minha xará, cof cof), mostra então sua "trupe", que, para dar esperanças e força de vontade para o povo vencer a luta, revive as lendas encontradas num antigo livro. Ela encarna o papel de Morgana, uma fada há muito esquecida - e assim os outros vão surgindo, Merlim, Arthur, Mordred... e a lenda revive. Em meio à guerra, como manter as aparências e separar a realidade das histórias perdidas? 

A protagonista é um jubilo aos olhos do leitor - com uma profundidade magnífica, e a escrita transforma a história em um enredo cheio de tramas que prendem a atenção. Diálogos ótimos e ponto de vista muito bem trabalhado, o enredo intriga e encanta na originalidade da história - que nunca perde o ritmo, e mantém o clima de lenda arturiana mesmo no cenário apresentado. As relações dos personagens são muito realistas e profundas. O arco do roteiro segue perfeitamente, dando um final surpreendente e, ao meu olhar, perfeito. Só consigo pensar em elogios para esse conto, sério. 

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O Fio da Espada, Melissa de Sá. Um conto sobre conflitos, lealdade e decepções. Melissa de Sá nos mostra a história de Dainwin, um filho de um nobre com poucas propriedades que sonha em ser cavaleiro. A história mostra sua trajetória como cavaleiro menor até se tornar, devido o seu próprio esforço e força de vontade, escudeiro de sir Lancelot. Tal coisa inquieta-lhe o espírito, pois o Primeiro Cavaleiro é conhecido por não possuir escudeiros. Ao longo da trama, segredos se revelam, e Dainwin se vê perdido em uma questão: a quem ele deve ser fiel?


Possivelmente Dainwin é um dos melhores personagens da coletânea - tão completo em tão poucas páginas, tão real. Sua batalha interior poderia ser adaptada em qualquer situação, e nos identificamos facilmente com o protagonista. A trama é original - principalmente por dar menos destaque aos personagens da corte, que costumam ser o foco geral das lendas arturianas. A narrativa é ótima, também, apesar de que eu tive dificuldade de imaginar uma ou duas cenas. A narrativa em terceira pessoa, sob o olhar de Dainwin só exalta os dons de narrativa de Melissa de Sá, que cria um mundo incrivelmente detalhado e mágico. Um dos melhores contos pra sempre, sério.


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As Mãos Vermelhas de Isolda, Octávio Aragão. Lancelot toma o rumo da história. Ele tem a missão de verificar a morte suspeita de Tristão de Liones. Chegando ao castelo onde morava sir. Tristão, e pede para interrogar sua mulher - Isolda de Blanchemans. As coisas correm diferente do esperado, porém.

Lancelot Du Lac é um personagem que atrai os leitores, querendo ou não. A história, porém, deixa pouco espaço para aprofundamento das características dos personagens que movimentam o conto. As personagens de Isolda (são duas!) parecem robôs que automaticamente respondem às falas para darem continuidade. Mesmo com a narrativa sendo boa, achei que as coisas acontecem realmente muito rápido no conto, causando confusão na trama - nos perdemos diante de tanta informação em pouco espaço. O desfecho é súbito, apressado e a série de acontecimentos que levam a ele são igualmente fracas... é como se o conto narrasse apenas uma cena de 5 minutos, sendo que há mais que isso. 

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A dama da Floresta, Ana Lúcia Merege. Conta a história de uma anciã e o mundo que a cerca. Ela é a "vó" do seu povo, a anciã que sabe os segredos das ervas e suas propriedades, aquela que ajuda as mulheres a terem seus bebês e que reza à noite para os Deuses que vivem escondido nas árvores. A anciã, desde a tenra infância, aprende os segredos da natureza, e convive com segredos obscuros que podem mudar a vida de qualquer um. 

A trama é das mais originais de toda a coletânea: mistura religião, dramas morais e temas diversos e obscuros. Ana Lúcia Merege apresenta os personagens clássicos com os nomes originais das lendas, como Myrdyn para Merlim - o mago que aqui se apresenta um pouco diferente da versão que conhecemos dos contos arturianos. A escrita, em primeira pessoa, deixa um tom onírico no universo apresentado - como se estivéssemos cobertos por brumas que exalam segredos antigos. Sobre segredos é o que aprendemos no conto, a importância vital deles.

A anciã puxa atenção do leitor, com seu ponto de vista maduro e esclarecido, que, mesmo sendo uma figura de "poder" ainda tem espaço para dramas tipicamente humanos, e podemos ver a mudança dos pensamentos dela quando criança e já adulta. Não apenas a única personagem que chama atenção, mas todos os narrados - dando atenção principalmente para Myrdyn e Nimue, a filha da personagem. O arco narrativo é incrível, mostrando claramente uma espécie de linha do tempo, que acompanha a evolução de cada um dos personagens com maestria, dando um movimento fluído à história. Um dos melhores contos, sem dúvidas.



O Rei às Margens do Rio, Cirilo S. Lemos. Ok. Esse conto é doido. Sério. Pirado, doidaço, mas bom pra caramba. O termo dieselpunk é usado para caracterizar o estilo da história, mas eu mal faço ideia do que se trata - pelo que li, é tipo ficção científica passada na década de 30/40 com uma pegada meio futurística. A história é de um menino chamado Levítico que vive no estado do Rio de Janeiro, que tem um cachorro chamado Merlim e uma guerra acontecendo em território brasileiro. Acompanhamos o protagonista por aventuras muito parecidas com viagens-astrais e contextos históricos bacanas que dão um desfecho surpreendente.

Surpreendente é a palavra que se encaixaria melhor no conto. A escrita é ótima, com o tom interiorano típico dos personagens e clima nostálgico, mas também futurístico em certos pontos. O personagem de Levítico é profundo ao extremo, e somos encantados por ele facilmente, assim como compreendemos a sua visão de coisas como o mundo e a sua família.

Diálogos muito perfeitos, naturais e realistas dão vida aos personagens. O cenário é muito bem escrito, e sentimo-nos facilmente presos ao conto, dentro da narrativa. Com conflitos interessantes e trama extremamente madura, o final é incrível - dando um clima totalmente diferente, um desfecho surpreendente ao conto. Muito bom, mesmo.


No geral, Excalibur é uma daquelas coletâneas para a vida toda. Quem não gosta de lendas arturianas? Todos amam! São elas que inspiram as mais diversas histórias, e elas que são um dos maiores mistérios da humanidade. Eu acredito fielmente em personagens como Merlim e Morgana, em guerreiros como Lancelot, e rainhas lindas feito Guinevere. Os 12 contos aqui escritos são histórias originais que renovam o mito, dão um novo ar aos magos e reis, polem as espadas e amassam os escudos com pancadas de criatividade. O livro é um ótimo não apenas no seu conteúdo, mas na produção.

A capa é divina, o papel é resistente e o livro tem uma qualidade incrível - garantindo uma boa sobrevivência por anos. Eu abri o meu muitas vezes, e não há sinal algum de decomposição. O livro é baseado em vitrais medievais, e temos a impressão de estarmos tocando um livro antigo, medieval. Excalibur é uma viagem ao passado da humanidade, somos convidamos para conhecer terra distantes (ou não), com mágica e guerra em cada canto. Viramos reis, magos, guerreiros e até mesmo as próprias espadas e os lugares que cercam tais personagens. Viramos uma lenda.



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