Virgens Suicidas - Jeffrey Eugenides, por Patrícia.

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Tenho captado a sutileza da sugestão de que, já que eu escrevo em um blog, eu devia provavelmente escrever no blog.  Então aqui estou eu com um livro que eu li faz um tempo. Não me recordo totalmente da estrutura do livro, mas eu me lembro da história o suficiente pra escrever um pouco sobre ela. 
Rocco - 1994. Tradução por Marina Colasanti.
 
Cinco irmãs, de idades entre 13 e 17, filhas de pais religiosos, cometem suicídio. Vários anos depois e os garotos (agora adultos) que moravam nas casas vizinhas ainda se juntam pra tentar entender o porquê, e pra entender o mistério que envolvia a aura das irmãs Lisbon, movidos não pela lógica, mas pela fascinação que possuíam por elas. A narração poética dos garotos é o que dá a estrutura e a alma desse mito literário do subúrbio americano. Virgens Suicidas é como uma carta de amor a esse estado de ser feminino, que os garotos podem não conseguir entender, mas se contentam a observar de longe, até anos depois que elas já se foram, fadados a as amarem pra sempre.
São histórias contadas com pedaços de memórias e especulações, e também com vestígios da existência de tais garotas: poucos, porém valiosos. Pra começar, os garotos são donos de uma verdadeira coleção de artefatos das Lisbon coletados ao longo dos anos, contendo recortes e colagens de revistas, catálogos de viagens pra lugares exóticos (que elas jamais iriam conhecer de verdade), cartas de santinhos e da Virgem Maria, diários cheios de pensamentos aéreos, poemas, e de uma profunda e genuína tristeza a respeito de aves em extinção.



“A casa já mostrava sinais de descuido, embora não fosse nada comparado ao que viria depois. A poeira cobria os degraus. Um sanduíche comido pela metade jazia esquecido no patamar, onde alguém se sentira triste demais para acabá-lo."

Essa narrativa transforma você em um dos garotos, apaixonados espectadores das vidas tão curtas de garotas que viviam em seu próprio mundo pra fugir do ambiente repressivo, superprotetor e sufocante dos pais, e que juntas, decidiram deixa-lo. Garotas que eram indiferentes à vida.

De tantas formas, não há segredos: desde as primeiras linhas você sabe o que vai acontecer. "Cecilia tinha sido a primeira", claramente não seria a última, mas mesmo assim você abre as páginas. 

Motivada talvez pelo doce filme de 1999 da Sofia Coppola, eu soube que queria ler o livro e por mais que ele não seja a caneca de chá de muita gente, há algo de reconfortante e familiar na melancolia das irmãs Lisbon que eu não sei se é reconhecível pra todos os leitores, ou se foi algo pessoal.
 Eu também não sei separar o livro do filme, pra mim ambos são tão complementares e combináveis em uma coisa só, que eu simplesmente não tento separar.

O filme é artisticamente lindo, tem uma trilha sonora doce do Air (recomendo escutar Highschool Lover e Playground Love), o filme todo possui uma aura de flores e tons pastel, e é recheado com pequenas cenas do cotidiano feminino: Pulseiras coloridas, vestidos de formatura recatados com doze centímetros de panos acrescentados nas mangas e nas pernas, diários, perfumes, revistas, discos, lágrimas. E lágrimas por causa dos discos que são jogados no fogo da lareira, um por um, por serem má influência. 

 "Nunca conseguimos entender por que as meninas faziam questão de ser maduras, nem por que sentiam tanta necessidade de elogiar umas às outras, mas às vezes, depois de um de nós ter lido em voz alta um longo trecho do diário, tínhamos que combater o desejo de nos abraçar ou de dizer uns aos outros como éramos bonitos. Sentimos o aprisionamento que é ser garota, e como isso torna a mente ativa e sonhadora, e como a gente acaba sabendo quais as cores que combinam entre si. Soubemos que as garotas são nossas gêmeas, que existíamos todos no espaço como animais de idêntica pele, e que elas sabiam tudo a nosso respeito embora nós não soubéssemos nada delas. Soubemos, afinal, que as garotas são na realidade mulheres disfarçadas que compreendem o amor e até mesmo a morte, e que a nossa tarefa era apenas gerar o barulho que parecia fasciná-las."
 
Chega um momento que a  idealização de quem elas eram é tão grande que você não sabe bem ao certo o que é verdade, você as vê através dos olhares dos garotos porque elas quase nunca são por si só.

Mas aí repousa a especialidade do livro: Você se pergunta se elas eram mesmo garotas especiais, ou se tudo sobre elas são coisas banais, que vistas sob olhares certos e atentos de garotos apaixonados, se tornam extraordinárias. Vidas extraordinárias porque o valor dado a elas foi extraordinário. 


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