Bom dia, ou boa tarde/noite, pessoal!
Como vão? Tudo bem, né? Assim espero. Desta vez acho que posso dizer que demorei muito a voltar, porque é verdade. Mas vocês sabem: vida acadêmica, vida profissional, vida de escritorzão, vida de final de período... Tudo uma complicação só! Ainda assim, mais hora, menos hora, acabo voltando, e desta vez não foi diferente.
Hoje, acho que vim dar encerramento a uma trilogia involuntária de posts que criei neste site de família, porque, adivinhem: eu encontrei a solução para um dos maiores mistérios da história da literatura contemporânea!
Antes de dar início à nossa maravilhosa postagem, acho que preciso fazer alguns esclarecimentos. Mas, ainda antes disso, gostaria de dedicar este post a todos os meus amigos do curso de Letras, aos professores que talvez estejam me lendo, e a todos os amantes da literatura e da Literatura, porque, acreditem, hoje vocês vão rir ou chorar junto comigo. Em seguida, quero deixar linkados estes dois posts (este e este), nos quais eu exploro o mesmo tema que abordarei aqui hoje, embora, hoje, parece, eu tenha encontrado a solução, hehe. É recomendável a leitura dos artigos citados para melhor compreensão do que eu vou falar aqui, tudo bem? Mas, se estiver com preguiça de ler, não precisa; dá pra entender do mesmo jeito. Ou então leia depois de ler este, acho que surte o mesmo efeito. Enfim.
No primeiro artigo citado, eu discuto a valoração das obras literárias hoje em dia: o que é considerado boa literatura e o que é considerado má literatura. Continuo sustentando os mesmos pontos de vista. No segundo artigo, falo sobre a irresistibilidade dos Big Mac literários, aqueles livros ruins que a gente lê porque, por mais que a história seja ruim, a curiosidade grita mais alto. Mantenho, também, os mesmos pontos de vista tidos lá. O que eu quero compartilhar com vocês agora é fruto de uma discussão bastante... hm... como eu diria? “Inusitada”, pra mantermos a polidez, que aconteceu anteontem em um grupo do Facebook do qual eu participo.
Resumidamente, esse grupo é um espaço pequeno reservado a escritores de histórias com temática LGBT que publicam na plataforma Wattpad, site do qual eu também já falei aqui e pelo qual eu também publiquei meu mais recente romance (ah, sim! Acabei de escrever!), que você pode ler clicando aqui. Graças a esse site e a esse grupo, acabo tomando conhecimento de muitos romances homoafetivos, que é o que eu escrevo, também, majoritariamente. Assim sendo, é comum encontrar histórias de todos os tipos: histórias boas, histórias ruins, histórias medíocres, histórias mirabolantes... É o mesmo que acontece com qualquer outro tipo de romance: tem pra todos os gostos, e nesse grupo a gente tem contato com vários tipos de narrativa. Um fato curioso, porém, que me chamou atenção foi: na maioria esmagadora desses romances, o personagem ativo da relação (aquele que penetra) sempre tem um pênis “enorme” — e a palavra usada para se referir ao membro é sempre essa: enorme. Por motivos de preferência pessoal e de verossimilhança com a nossa realidade (onde, convenhamos, não é muito comum encontrar órgãos sexuais com mais de 19cm, que é o que, pra mim, configura um “pênis enorme”, a menos que você esteja em certas regiões da África), fui até o grupo em questão e levantei esse debate. Por que isso é assim? Por que os autores/leitores parecem ter essa preferência por órgãos de tamanho extra-largo haja vista que, na vida real, as estruturas do corpo humano não se adaptam a um corpo estranho dessa magnitude com a mesma facilidade com que os personagens das narrativas o fazem ao serem penetrados.
As respostas variaram em diversas direções, mas poucas acertaram o alvo da pergunta e quase nenhuma suscitou o debate que eu queria atingir. Cerca de sete ou oito pessoas, no total, responderam à minha indagação, sendo que, dessas, apenas uma ou duas também se mostravam ligeiramente incomodadas com esse exagero ou com a noção de que, na vida real, as coisas não são tão fáceis quanto na literatura. Porém, em virtude da mais aguda incapacidade de interpretação de texto, um ou outro cidadão que participava da discussão começou a distorcer o que eu ia dizendo, de forma a fazer parecer que eu sou contra cenas de sexo em romances (isso porque eu disse que não gosto de cenas de sexo “gratuito”, entendendo-se por “gratuito”: “não tinha nada mais interessante para escrever, coloquei uma cena de sexo porque o público gosta”; e acrescentei a esse detalhe a minha opinião de que usar esse recurso para prender o leitor é falta de competência).
Essa foi a primeira parte da complicação. Como fruto dessa conversa infrutífera, em que eu tentava por B + C explicar que o que eu havia dito era A e não D, ficou parcialmente claro pra mim que esses autores usam cenas de sexo porque isso agrada o leitor. Guardem essa informação.
Passadas algumas horas, quando eu já havia até suposto que o assunto estava encerrado, chegaram outras pessoas à discussão. Uma delas, um rapaz escritor (ou “escritor”; não li o que ele escreve ainda), se posicionou contra o que eu disse e afirmou que, por experiência própria, ele gosta sim das cenas de sexo e que, quando quer ler, não quer ler nada literário, quer ler algo que o distraia e que seja de leitura fácil. Quem nunca, não é mesmo? Até aí, nenhum problema. Depois, foram chegando mais pessoas; três ou quatro, se não me engano (apaguei o post por motivos que explicarei adiante), começaram a defender a ideia levantada pelo rapaz que apoia as cenas de coito e todos passaram a gritar em coro: “Não gosta [das cenas de sexo ou dos membros avantajados], não lê!”. Bem prático, não?, como se eu tivesse deixado bem claro o tempo todo que sexo em romance é proibido!
A cereja do bolo, porém, veio mais tarde, e daí a canoa virou de vez. Um outro cara (esse eu já li e o livro—“livro” não: “folhetim”, vai, porque não tem história nenhuma: só uma sequência de cliffhangers que são postos no texto como ligação entre uma cena de sexo e outra) apareceu e apenas concordou; depois ficou quieto. Daí veio outro. Ninguém parecia concordar comigo, e logo o assunto mudou de “proporções do falo em histórias homoeróticas” para “qualidade estética dos textos homoeróticos”, sendo que não fui eu o precursor desta ideia. O ato final da ópera se deu quando um autor (esse eu também já li e ele é famosinho; as histórias que ele publica têm um número razoável de leituras, levando-se em conta a temática) apareceu e logo seus adoradores começaram a louvá-lo e fazer coro a tudo que ele dizia no tom de uma ironia bem pobre. Nesse momento, o manifesto literário que pautava a discussão era este:
“Nós não queremos escrever nada literário; nós queremos escrever o que agrada o público; se agrada o público, continue: você está seguindo pelo caminho certo! Não queremos escrever o que uma ‘elite’ julga ser bom; não quero que ninguém leia meus livros na escola por obrigação! Queremos nos realizar como escritores!”
![]() |
(imagem: here&Now) |
e assim por diante. Eu, é claro, minoria esmagada na discussão, fiquei parecendo o pseudo-cult transtornado, mas eu vou dar uns segundinhos pra vocês relerem os gritos de guerra do parágrafo anterior e chegarem à mesma conclusão que eu:
A culpa é dos autores!
É claro! Como não pensei nisso antes?! A culpa não é de quem lê porcaria, é de quem produz porcaria! — e não estou falando que todos os que escrevem nesse grupo são porcaria, não! pelo contrário: tem uns três que salvam — inclusive, o mais popularzinho deles (que, aliás, por ironia do destino, procurou, dias antes, um grupo de crítica literária que eu administro e pediu uma review do texto dele e parece não ter gostado muito do que eu tinha a dizer (será que guardou rancor por causa disso?)) e o “namorado” dele (namorado entre aspas porque os dois têm perfis falsos e eu tenho a séria suspeita de que ambos são a mesma pessoa na verdade, mas isso não vem ao caso) escreve(m) até direitinho. — E, conforme a conversa progredia e as heresias eram despejadas uma após a outra, foi ficando cada vez mais claro pra mim que o emburrecimento literário das pessoas não é só culpa delas: é também de quem as alimenta!
Faça as contas. Quem escreve, quer ser lido. Hoje em dia, quem quer ser lido rapidamente e sem muito critério escreve o quê? Sexo! É óbvio! É lógico que agrada! Está na moda! Quem não gosta de sexo?! É tão fácil quanto somar dois mais dois: pegue dois personagens lindos, coloque todas as possíveis características perfeitas neles e recheie as páginas do livro com cenas e mais cenas de sexo! É claro que vai vender! É claro que vai dar ibope! É claro que vai ter leituras! E sabe o que é incrível acima de tudo isso? que é claro, pra essas pessoas, que a quantidade de leituras que elas recebem é reflexo simétrico da qualidade da escrita delas! GENTE!? Não é pra se jogar da ponte de tanto desespero?!
Em dado momento da conversa, já estava tão difícil levar essas pessoas que ousam se chamar de escritores a sério que eu, debochadamente, falei que era pra eles continuarem fazendo esse sucesso todo no Wattpad, que logo logo Dostoievski estaria os chamando de “mestres” de dentro da tumba. Eles riram! “Nós não queremos ser nenhum Dostoievski, nós queremos escrever o que agrada o público”...
Eu poderia partir daqui e começar toda uma discussão sobre literatura comercial, mas não vai ser possível. Sabe por quê? Porque essa categoria emergente de sub-escritores publica de graça no Wattpad. Um ou outro até tira o livro da plataforma e coloca na Amazon, mas, geralmente, os que conseguem ter suas histórias publicadas fisicamente são os que têm dinheiro pra pagar uma editora pra fazer isso (pagando bem, que mal tem?). Claro: já li coisas do Wattpad que saíram até da Amazon pra ir pras livrarias porque a editora bancou a publicação, mas aí tínhamos outra diferença: quem conseguiu esse feito sabe escrever, o que parece não ser moda entre parte significativa dos que publicam no site. Sim, porque, veja bem, já que os próprios autores reconhecem que não escrevem nada literário e reforçam a ideia de que seu objetivo é agradar o público, preceitos básicos da literatura, como a noção artística ou de trabalho com as palavras, são abandonados sumariamente. E, quando digo isso, não me refiro à utilização de figuras de linguagem, a descrições bem feitas, a cenários detalhados, não: me refiro a autores que sequer sabem pontuar o texto ou concordar sujeito com verbo — e isso me parece ser algo grave, porque é bastante recorrente. Em virtude das vantagens da autopublicação e do desespero existencial de ser lido custe o que custar, esses autores escrevem como se suas vidas dependessem disso, porque os leitores ávidos estão esperando pelo próximo capítulo! Resultado? Lixo. Lixo irreciclável.
Mas, tudo bem, ainda que estivéssemos falando de literatura comercial e fôssemos entrar naquela velha discussão de que “tudo que vende não é bom”. Vamos fazer um paralelo com o mundo da música, que funciona mais ou menos do mesmo jeito que o mundo editorial? Vamos! Peguem aí qualquer farofa que toque nas rádios só pra vender e entreter e tocar nas baladinhas. Pegou? Agora pegue Adele. Sia. Lorde. Florence and the Machine. Ou, ainda, os que já não tocam nas rádios atualmente, como Pink Floyd, Radiohead, ou, um exemplo ainda mais magnífico: Michael Jackson. Todos esses artistas venderam pra caralho. Deixaram de ser bons? Deixaram de ser cult ou de ter valor artístico simplesmente porque foram sucesso de vendas? Na minha humilde opinião, não. A diferença: eles são/eram populares, mas também são/eram bons no que fazem/faziam, ao contrário de bastante coisa que tenho visto por aí ultimamente.
Olha, sei que aquela conversa me esgotou intelectualmente. Me senti entristecer profundamente ao ver gente exercendo o ofício da escrita visando apenas agradar o público com cenas medíocres de pornografia-barata-escrita e enredos rasos só pra entreter e ser lido. Disseram, aliás, que quem escreve pelo ato de escrever, sem visar lucros ou um futuro financeiro a partir da escrita, é hipócrita. Querido leitor que lê isto neste momento: prazer, apresento-lhes um hipócrita: eu.
Por fim, o post no grupo virou um espetáculo de dissimulação, senso comum, mediocridade, puxa-saquismo, deboche e sarcasmo tão insuportável que eu decidi apagar e poupar meus nervos, que já estavam bem gastos tentando mostrar um pouco de profundidade a essas mentes rasteiras — aquela história de que o pior cego é o que não quer ver, sabe? O problema é que eu insisto em tentar mostrar... Ai ai. Das várias tristes conclusões que se tiram desse retrato da realidade, ficam, para mim, duas: 1) precisamos dar um nome a essa nova classe de sub-escritores. Pensei em “Escritobos da Corte”, mistura de escritor com bobo da corte, mas não achei muito eufônico. E 2) Lu Schievano, eu te entendo, amiga; eu te entendo.
0 comentários: