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capa (fonte) |
Bom dia, pessoas lindas.
Como vão vocês? Tudo bem graçaizadeux? Comigo também tá tudo ótimo apesar dos pesares e das coisas todas. De acordo com a tradição, sumi por um mês ou mais e, agora, volto, para o bem de todos e alegria geral da nação, é assim que se fala, né? Não lembro mais.
O post de hoje ia ser sobre outra coisa e eu nem venho em nome do Paralela Mente: venho fazer uma review mesmo. Sabe quando, por um motivo ou outro, você relê uma história ou reassiste um filme e sente aquela sensação estranha, digo estranhamente estranha, de estar visitando um velho amigo que te era muito querido mas você meio que se esqueceu de que ele era querido e o tempo se encarregou de te fazer “esquecer” que ele existia? Pois é. Dia desses eu estava em casa de bobeira e pensei: preciso rever Brokeback Mountain. E foi o que eu fiz.
Pra quem não sabe (2013, gente, não é possível que alguém ainda não saiba disso, por favor), Brokeback Mountain ficou conhecido internacionalmente por ser o primeiro, ou, senão, um dos primeiros (que eu saiba foi o primeiro) filme hollywoodiano com produção de primeira a tratar da temática homossexual e trazer elenco consagrado: Heath Ledger (RIP), Jake Gyllenhaal, Anne Hathaway, Michele Williams, Anna Faris e não sei se tem mais alguém famoso, mas pode ser que sim.
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Ennis del Mar e Jack Twist (fonte) |
Fato engraçado, e digo “engraçado” no sentido de “interessante”, é que o filme foi baseado em um conto, escrito pela americana Annie Proulx, que também escreveu The Shipping News (Chegadas e Partidas, em português), que também ganhou sua adaptação para cinema, antes mesmo de Brokeback Mountain, inclusive. O conto original foi publicado em outubro 1997 na revista The New Yorker, mas teve sua adaptação para cinema feita só em 2005. Então. Como o texto não foi publicado em um livro impresso, mas em um tabloide, acredito que muita gente, ou quase todos que conhecem o filme (hiperbolizando um pouco), não conhecem o conto. E euzinho estava incluso nesse número de gentes, até que um dia desses eu resolvi procurar o conto e ler, e é sobre isso que eu venho falar hoje e, aproveitando o gancho, fazer uma sutil comparação entre o filme e o conto. Mas uma coisa de cada vez.
Ao conto. Brokeback Mountain (e o nome é esse mesmo, não "O segredo de Brokeback Mountain. Isso é coisa dessa gente linda que traduz títulos no Brasil) é um drama em terceira pessoa que conta a história de Ennis del Mar, um caubói sem muitas perspectivas na vida que, em dado momento de sua história, consegue emprego como pastor na montanha Brokeback (acho esse nome tão cacófato...) e, lá, ele conhece Jack Twist, com quem, posteriormente, ele se envolve sexual e emocionalmente. Acabada a temporada na montanha, cada um segue seu caminho de vida como se nunca tivessem se conhecido, até que um belo dia, quatro anos depois, Ennis, já casado e com filhas, recebe um cartão postal de Jack dizendo que ele passaria pela região onde Ennis morava e se tinha como eles se encontrarem. Depois desse reencontro (uma cena linda linda linda linda) e do retorno explosivo de todos aqueles sentimentos que existiam nos tempos da montanha, os dois precisam encontrar meios pra darem conta de continuar a viver o que eles lá começaram.
Como a vida me foi generosa (mentira, não foi a vida, eu mesmo fui atrás disso ok), eu tive a oportunidade de ler o conto em Inglês (aqui). Digo isso não pra me gabar, mas porque sou um pouco preconceituoso quanto a traduções que não são feitas por mim, como se eu fosse o único que sabe Inglês nesse mundo e entende de tradução. Neste caso, a minha indisposição se justifica, porque a tradução que eu encontrei, de um rapaz/cara/senhor/cidadão chamado Guilherme Addino (joguei no Google e todos os resultados levaram para o mesmo blog, que foi o no qual eu encontrei o Brokeback), apresenta uma séééérie de problemas. Ok, talvez não uma sééééérie, mas uma série. E são uns problemas bobos, do tipo traduzir “daughter” (filha) como “irmã”, ou “the army” (o exército) pra “frio” (?). Entretanto, a leitura geral não é comprometida por isso e você pode ler o conto traduzido clicando aqui. Mas, de antemão, já trago uma crítica que não posso levar muito adiante porque não consegui acessar o arquivo original do New Yorker, porque precisa de inscrição e de dinheiro: eu não sei se a digitação do texto que eu li condiz com a que foi publicada no The New Yorker, mas, caso tenha sido, definitivamente: pelo menos em 1997, Annie Proulx não sabia pontuar frases. O texto é confuso e isso se dá, em grande parte, pelo fato de que, não sei se numa tentativa de aceleração ou de assíndeto, o texto tem inúmeras vírgulas onde se utilizaria qualquer outro sinal de pontuação que não uma vírgula. E o tradutor deve ter respeitado a pontuação que ele viu no texto original, o que torna a leitura, pelo menos aos meus olhos de grammar nazi, um pouco lenta.
Quanto à história, devo dizer que o filme respeitou MUITO tudo que acontece no texto, especialmente os diálogos. Os roteiristas estão de parabéns. Eu não sou nenhum aficionado por cinema nem nada, mas parece que tem muita gente que reclama quando mudam alguma coisa da história original pro filme, mas em Brokeback Mountain a história escrita e a cinematográfica (detesto essa palavra) acontecem de forma extremamente paralela. Os momentos que existem na história e não existem no cinema são momentos, de fato, elimináveis, que não acrescentariam nada à cena ou à história. Ainda na questão do roteiro, eu não sei se é culpa da Annie, ou se é o jeito d’ela escrever, afinal não conheço sua obra, mas posso dizer que o texto é, de modo geral, um tanto confuso. As coisas não acontecem em ordem cronológica, em algumas partes. No início, Ennis está num aparente presente, depois surge uma analepse, em alguns momentos há uns flash backs que, pra mim, não se justificam e, em alguns pontos, parecem dar ao texto um ar de pressa, como se a autora tivesse querido acabar com aquilo logo pra publicar e fim, e não duvido muito que tenha sido realmente isso que aconteceu. São, na diegese, vinte anos que passam assim, em vinte minutos. Mentira, o conto tem mais de 9000 palavras, não dá pra ler em vinte minutos.
Outro aspecto recorrente me incomodou um pouco: o bucolismo exacerbado. Não sei se bucolismo é algo mensurável pra se dizer “muito” ou “pouco” bucólico, mas, da forma como ele acontece no conto, cansa. Annie parece se procupar demais com descrever a cor das nuvens ou como o céu se comporta durante o entardecer, ou que barulho o cascalho faz quando o vento sopra sobre ele... Não sei se são meus olhos de leitor/escritor objetivo que não se interessam muito por esse tipo de detalhe, mas eles estão presentes pelo desenrolar da história toda, coisa que, óbvio, não acontece no filme, já que uma imagem vale mais que mil palavras etc.
Existe algo, porém, no conto que não existe no filme e acho que foi o que mais me incomodou. Na verdade não é exatamente algo, mas o protagonista em si: o Ennis del Mar do conto e o do filme são praticamente pessoas diferentes, e é claro que eu não me refiro ao físico, mas ao psicológico. Proulx deposita em Ennis uma carga (singela, muito singela) de ternura que o del Mar do cinema não tem, e a culpa não é do Heath Ledger, mas do texto. Durante o conto, Ennis, por duas ou três vezes, fala coisas importantíssimas que não aparecem no cinema, e eu quando li fiquei “!!! Como assim?”. Da mesma forma, existem elementos na narrativa que conduzem a essa ternura e não aparecem no filme de jeito nenhum, nem na expressão facial do personagem, que parece estar sempre com o mesmo humor, do primeiro ao último minuto do filme. E eu acho que isso é algo significativo, porque a relação entre Ennis e Jack é muito delicada, conturbada e problemática, e se essas duas ou três frases tivessem sido ditas no cinema, haveria uma senhora amplificação da empatia com o protagonista, coisa que não é cem por cento recorrente pra quem não leu o conto; porque eu, pessoalmente, senti raiva de algumas atitudes de Ennis no filme, e esse sentimento não existiria se alguns momentos do conto tivessem sido mantidos.
Bom. Preciso dizer, ainda, que todos os personagens, literalmente, fizeram um papel brilhante no filme. Apesar de alguns deslizes no texto, o espírito de cada um foi lindamente transportado das páginas pra tela. E, claro, é necessário dizer que o conto, apesar desses problemas de desenvolvimento, emociona tanto quanto o filme, embora naquele fiquem um pouco menos evidentes alguns fatores importantes de nível sócio-cultural: a história fala de dois caubóis, gente da roça, caipira, que se conhece e se apaixona em 1963 e vive um amor que atravessa décadas. Se hoje, em 2013, em que há quem diga que vivemos uma ´´ditadura gayzista´´, é difícil manter um relacionamento homossexual de longo termo, imagina em 1963. Pra quem não consegue imaginar, assista Kinsey (2004), que é um bom relato de como o comportamento sexual era entendido na metade do século XX. Além de tudo isso, talvez até acima de tudo isso, ainda preciso dizer que a última frase do filme/do conto me intriga tanto quanto o final de Inception. Annie foi uma grande filha da puta mãe ao terminar a história como ela terminou. Não sei se isso é um elogio ou uma alfinetada, mas ó.
E é isso, galero. Tinha muito mais coisa pra falar, mas aí já partiríamos pro campo do spoiler e eu me propus a redigir esse texto sem spoilar e acho que, ainda assim, falei demais. E se você tem uma horinha sobrando, leia o conto porque vale a pena. Um abraço proceis e a gente se vê daqui a algum tempo. Até lá!
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