O Fim do Mundo. Nada assusta e encanta mais que isso: a finitude, o prazo que é dado ao nosso planeta. Em todas as culturas e religiões existem mitos e histórias que determinam como e quando vamos acabar. O mistério reside no fato de sabermos se iremos ou não participar da "lenda verdadeira", se iremos vivenciar o Fim. Mas a História, e principalmente a literatura, nos mostram que mesmo em meio ao absoluto caos o amor pode brotar.
Meu Amor é um Sobrevivente é a coletânea da Editora Draco que faz parte da coleção Amores Proibidos - que retrata o amor dentro do universo fantasioso, coisa que cresce cada vez mais dentro do universo literário. Neste livro, organizado por Ana Lúcia Merege e Janaina Chervezan, somos introduzidos ao Apocalipse da forma mais doce e amorosa (ou atormentadora e aterrorizante) que as nove escritoras selecionadas podem nos mostrar.
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As coisas viram de cabeça para baixo no momento que a Caravana é atacada por outra e os dois personagens fogem quando a batalha começa a ser perdida - dependendo inteiramente um do outro, apesar de terem uma relação um pouco conturbada devido a ideias contrários.
Eu gosto da forma com que a autora descreve as cenas - ela realmente é boa nisso, e mergulhei facilmente dentro do universo apresentado. Porém, tive problemas com o fato de que os personagens não tem nomes - sendo referidos sempre como "a guerreira" e "o sobrevivente". Esse tipo de apresentação tornou a leitura cansativa e limitada, na minha opinião, e o excesso de artigos utilizados tornou a leitura difícil, além de que acho que poderiam ser usados sinônimos em alguns momentos para não soar repetitivo. Outra coisa que não me agradou foi o ritmo. O começo corre bem lentamente, mas então há uma quebra na velocidade de acontecimentos que impede o leitor de se aproximar dos personagens, e tornou a experiência rasa e sem emoção - concluindo isso com um final nada empolgante e rápido demais.
Chocolate, por Karen Alvares. Luciana é uma menina de 16 anos e vive em São Paulo. Nada demais, né? Devem existir muitas Lucianas de 16 anos em São Paulo - mas esta Luciana em especial está no meio de um apocalipse zumbi. As coisas estão caóticas, e sua história de amor acontece, como diz a própria personagem, "no lugar mais sem graça do mundo: um supermercado. Pior, nos fundos dele, no estoque."
Na narrativa em primeira pessoa, conhecemos os personagens de Fabrício, um garoto quieto e com pinta de "revoltado", e seu avô, o Seu Antônio - dono do supermercado. Uma das coisas mais incríveis do conto é que ele se passa no supermercado o tempo todo, e isso não limita em nada a história que nos é contada. O mercado pode ser pequeno, mas, nas palavras de Karen Alvares, cabem um mundo em seus corredores. Outra coisa que me chamou atenção foi a maestria da personagem - ela é uma adolescente, antes de ser uma sobrevivente de um apocalipse louco, e isso é demonstrado na escrita. Temos gírias e assuntos bem modernos que não tiram o drama da situação e nem servem para alívio cômico: é apenas o jeito que os adolescente falam e pensam.
De fato, os personagens são muito bem desenvolvidos, e, mesmo para um conto pequeno, eles possuem uma história bem desenrolada e palpável - tornando-os tão protagonistas quanto a menina que narra os acontecimentos.
O ritmo do conto também é maravilhoso: rápido, sem quebras ou perda de tempo. Isso pode ser ruim apenas pelo fato de que a gente fica querendo saber mais e mais a todo instante. É um dos meus favoritos de toda a antologia, principalmente pelo roteiro bem elaborado. O final é demais, sério, de arrepiar.
Dias de Sombra, por Bruna Louzada. A família de Aisha possui uma tradição militar. Sua irmã mais velha, Marjorie, foi a primeira de três filhos a seguir a carreira. Ela e seu irmão Ivan, porém, não tiveram tempo para decidir o que iam fazer de sua vida, pois o mundo estava virando de cabeça para baixo. Na época da formatura de Marjorie, as coisas já estavam mudando - a família tendo que se mudar para bases fortificadas e, como criança, a protagonista não tinha sequer a curiosidade de perguntar. Foi apenas um ano depois que as coisas ficaram mais feias e ela se descobriu no meio de uma infestação de zumbis.
Agora Aisha vive em um shopping que também serve como forte, e passa seus dias preocupada com a sobrevivência. Mas como esse livro nos prova: o amor pode surgir mesmo no mais improvável local.
O conto de Bruna Louzada é um dos meus favoritos pela forma crua de escrita e domínio dos personagens, além da ambientação perfeita. É escrito em primeira pessoa, sob a perspectiva de Aisha - agora crescida. A forma com que o conto emerge o leitor dentro da vida dos personagens - sem deixar sombra de dúvidas e estranhamentos; o jeito que o roteiro segue sem nenhuma quebra ou furo, os diálogos muito bem escritos; tudo isso se junta e cria uma bela história.
Sem contar que as cenas de ação são muito bem escritas, mesmo. É um daqueles contos que eu realmente queria que virasse livro, só pra ler mais.
Fundo do Abismo, por Carol Chiovatto. Alice acorda em meio ao caos - soterrada em entulhos, marcas de uma destruição sem sentido. Ao longo dos primeiros parágrafos já somos apresentados aos fatos: uma guerra nuclear entre a China e os Estados Unidos foi a responsável pela destruição global. Tudo o que sobrou de São Paulo (e do mundo) é destruição e radiação. A personagem é salva por dois homens: Edgar e Corvo, que na realidade pertence a uma espécie que habitava o subterrâneo e vive até quatro mil anos!
O conto, em primeira pessoa, se passa em uma casa no interior do Mato Grosso do Sul - um refúgio onde os poucos sobreviventes são tratados e tentam reconstruir suas vidas. Não é um conto com muita ação (até por que não existem perigos como monstros rondando os personagens, tudo o que eles precisam temer é a chuva radioativa, venenosa); mas isso é compensado pelos diálogos brilhantes e personagens bem escritos. Dentro dos poucos acontecimentos do conto somos levados às experiências de reflexão que os personagem passam - questões como: "ok, sobrevivemos ao fim do mundo. E agora?".
Por ser um conto tão instigante, ele se torna um dos mais brilhantes da antologia. O que não me agradou muito foi a forma como a história de amor se desenvolveu. O ritmo estava bom no começo, mas no fim senti que as coisas deram uma acelerada; me pareceu que no começo o sentimento de pena e compaixão que a protagonista sentia pelo seu amor se tornou algo forte demais muito rápido. A conclusão, nesse aspecto, me deixou um pouco a desejar, mas em todos os outros o conto é perfeito.
Futuro do Pretérito, Patrícia Loupee. Esse é, na minha opinião, o melhor conto desse livro. E um dos contos que certamente eu sempre vou lembrar como um dos melhores ever, sério. Futuro do Pretérito é dividido por duas linhas temporais. O Pretérito é narrado pelo ponto de vista de Angela, e o Futuro é narrado por Marcus. É um mundo dominado por zumbis, e, como um conto de tal gênero: cheio de ação.
No Pretérito somos levados ao ponto de encontro dos dois protagonistas. Conhecemos as suas vidas, motivações, e o desejo comum de ambos na torre de igreja que se encontraram. Não há zumbis aqui - apenas a humanidade, os desejos e sentimentos profundos que nos cercam diante de uma situação trágica como a agora encontrada. É aqui que nasce o amor. Já no futuro, somos levados para um ambiente apertado, cheio de corredores escuros e barulhos de tipos e passos. O casal está fugindo de grupos de zumbis que os perseguem cada vez mais - e estão em seu limite.
O conto passa alternando entre esses pontos de vistas e cada mudança temporal complementa cada vez mais a história, dando densidade e tornando-a real. Os personagens são muito bem caracterizados, e descobrimos um pouco mais deles a cada linha lida. O ritmo não apresenta quebra, e seu clímax se dá no final inesperado e chocante, mas, ao mesmo tempo, perfeito. Não poderia imaginar uma forma mais triunfante de terminar um conto do tipo. É, realmente, um conto para se recordar.
Para Você, com Amor; por Allana Dilene. O conto se passa em um mundo dividido em dois lados: os Azuis, soldados que lutam para o Governo e a Rebelião, um grupo de cidadãos descontentes. A guerra é a realidade. Conhecemos Ed, soldado dos Azuis que é capturado pela Rebelião e, ao longo do conto, começa a mudar de lado - com a ajuda de Kei, uma mulher dura e ao mesmo tempo apaixonante. A história gira sobre o fato de que ambos tem consciência de que irão, eventualmente, trair um ao outro.
Os personagens chamam atenção: principalmente Kei, que, na minha opinião, é a mais bem construída e marcante. Apesar de eu achar os diálogos um pouco superficiais, ela em especial tem algumas frases bem marcantes que couberam à sua personalidade. Em terceira pessoa, o conto tem um ritmo um pouco quebrado, na minha opinião: com diálogos um pouco expositivos e repetição de termos que me deram um cansaço ao ler, como se eu estivesse lendo cenas iguais (como a repetição de que a vida de Ed como prisioneiro é tediosa).
Mas a história é muito boa, o roteiro é muito bem feito, e a narrativa evolui de forma incrível - principalmente no seu final, com um desfecho surpreendente.
Sandarach, por Christiane Salles. A história desse conto é uma das mais originais em toda a antologia: a evolução de uma bactéria fez com que ela começasse a sintetizar e criar gás arsênio, que não demorou muito para cobrir toda a terra. Os animais evoluíram e viraram mutações capazes de sobreviver - mas os humanos, não. Assim que o gás começou a se espalhar, cidades foram envoltas em cúpulas gigantescas que permitia a vida sem o uso de máscaras - mas para viver nesses lugares, um alto valor é necessário.
Acompanhamos a história de Ninny e Devon, que vivem em bunkers trabalhando para o mercenário Mandelbrot. Os dois conspiram com Sabba para fugirem para uma dessas cúpulas. O conto é narrado em primeira pessoa, e sua linha de acontecimentos é bem estruturada, além de possuir personagens bem caracterizados, diálogos inteligentes e uma descrição primorosa do mundo caótico que se encontra.
Sandarach dá ao leitor tudo que ele pode quer: ação, romance, mistério e não deixa furos em sua história, não terminamos ela perguntando "e se...?". O jeito que a história de amor se desenrola é magistral, assim como o desfecho do conto - que tira o ar.
Uma Cidade Chamada Anomia, por Lidia Zuin. Lidia Zuin escreve bem, e isso é demonstrado forma como o conto escrito em primeira pessoa não perde o ritmo e o tom belo das palavras bem escolhidas.Conhecemos Trevor, que mora em uma metrópole como qualquer outra. Filho de de um Historiador, ele pode ser caracterizado como um "vândalo", que, após ler teorias escritas pelo seu pai em vida, passa a criar mensagens simbólicas pela cidade: desenhos criticando a política e a sociedade. Ele encontra seu antagonista na figura de Victor, concorrente a prefeito da cidade. Não demora muito para a polícia perseguir Trevor e ele encontrar Sophia, a oficial filha de Victor.
O que me incomodou um pouco em Uma Cidade Chamada Anomia foi a superficialidade em alguns aspectos do personagem principal: só vemos Trevor como um justiceiro das ruas, ele só fala da sociedade composta de pessoas vazias, da política suja, da falta de humanidade nos tempos atuais, enfim, só critica as coisas. Isso é tão repetitivo que em certos momentos o próprio personagem parece ser apenas um desses fantoches - ao invés de ser um anti-herói, que é a sua proposta, ele soa mais como alguém do contra, que tende a reclamar de tudo para se destacar.
Também senti falta de um roteiro mais focado no amor em si, e acredito que a relação entre os dois personagens que rodeiam o conto poderia ser melhor. Na realidade, senti falta de uma presença maior de Sophia no conto - ela parece apenas uma personagem que serve para Trevor ter algum objetivo durante a história; assim como senti falta de um desafio maior dentro da história, pois Victor, o "vilão", basicamente não aparece no conto inteiro.
Vitória, por Roberta Grassi. Esse conto é lindo, tá? Tá. em primeira pessoa, o protagonista (sem nome) nos insere a um mundo limitado por bunkers. O exterior é totalmente venenoso, pois a radiação cobre tudo e o Sol mata a todos. A vida nos bunkers é tranquila, mas padronizada: cada um tem seu exercício, e o nosso personagem principal é responsável por ir até locais de coleta de energia solar (devidamente protegido com roupas especiais, é claro) e levar os tubos carregados para sua base novamente. Nada muito especial. Quando Vitória chega, ele simplesmente se apaixona. É uma coisa de filme, mesmo. O personagem não tem jeito com as palavras, se enrola todo e quase nunca sabe o que fazer quando perto dela. Chega a ser cômico.
Claro que problemas exteriores surgem e dão um tom mais apocalíptico para o conto a cada página lida, e isso somente complementa a história bem escrita, com roteiro desenvolvido, personagens profundos e diálogos inteligentes e reais que se apresenta ao leitor. A história é cheia de altos e baixos que deixam o leitor cada vez mais ansioso por mais, e seu desfecho é surpreendente.
Não podia existir maneira melhor de terminar aquele conto. Nem o livro.
Em um aspecto geral, o livro é muito bom. A capa é muito bonita, assim como toda a diagramação do exemplar: os contos são equilibrados e diversos, e agradam a todos os tipos de leitor, pois apesar de tratarem o amor, eles tem muita originalidade e cenários que variam do terror até algo mais mimimi. Bem distribuídas, as histórias não se parecem em nenhum momento com as outras, surpreendendo o leitor.
Realmente, um ótimo livro, e eu sinceramente recomendo a todos.
Chocolate, por Karen Alvares. Luciana é uma menina de 16 anos e vive em São Paulo. Nada demais, né? Devem existir muitas Lucianas de 16 anos em São Paulo - mas esta Luciana em especial está no meio de um apocalipse zumbi. As coisas estão caóticas, e sua história de amor acontece, como diz a própria personagem, "no lugar mais sem graça do mundo: um supermercado. Pior, nos fundos dele, no estoque."
Na narrativa em primeira pessoa, conhecemos os personagens de Fabrício, um garoto quieto e com pinta de "revoltado", e seu avô, o Seu Antônio - dono do supermercado. Uma das coisas mais incríveis do conto é que ele se passa no supermercado o tempo todo, e isso não limita em nada a história que nos é contada. O mercado pode ser pequeno, mas, nas palavras de Karen Alvares, cabem um mundo em seus corredores. Outra coisa que me chamou atenção foi a maestria da personagem - ela é uma adolescente, antes de ser uma sobrevivente de um apocalipse louco, e isso é demonstrado na escrita. Temos gírias e assuntos bem modernos que não tiram o drama da situação e nem servem para alívio cômico: é apenas o jeito que os adolescente falam e pensam.
De fato, os personagens são muito bem desenvolvidos, e, mesmo para um conto pequeno, eles possuem uma história bem desenrolada e palpável - tornando-os tão protagonistas quanto a menina que narra os acontecimentos.
O ritmo do conto também é maravilhoso: rápido, sem quebras ou perda de tempo. Isso pode ser ruim apenas pelo fato de que a gente fica querendo saber mais e mais a todo instante. É um dos meus favoritos de toda a antologia, principalmente pelo roteiro bem elaborado. O final é demais, sério, de arrepiar.

Agora Aisha vive em um shopping que também serve como forte, e passa seus dias preocupada com a sobrevivência. Mas como esse livro nos prova: o amor pode surgir mesmo no mais improvável local.
O conto de Bruna Louzada é um dos meus favoritos pela forma crua de escrita e domínio dos personagens, além da ambientação perfeita. É escrito em primeira pessoa, sob a perspectiva de Aisha - agora crescida. A forma com que o conto emerge o leitor dentro da vida dos personagens - sem deixar sombra de dúvidas e estranhamentos; o jeito que o roteiro segue sem nenhuma quebra ou furo, os diálogos muito bem escritos; tudo isso se junta e cria uma bela história.
Sem contar que as cenas de ação são muito bem escritas, mesmo. É um daqueles contos que eu realmente queria que virasse livro, só pra ler mais.
Fundo do Abismo, por Carol Chiovatto. Alice acorda em meio ao caos - soterrada em entulhos, marcas de uma destruição sem sentido. Ao longo dos primeiros parágrafos já somos apresentados aos fatos: uma guerra nuclear entre a China e os Estados Unidos foi a responsável pela destruição global. Tudo o que sobrou de São Paulo (e do mundo) é destruição e radiação. A personagem é salva por dois homens: Edgar e Corvo, que na realidade pertence a uma espécie que habitava o subterrâneo e vive até quatro mil anos!
O conto, em primeira pessoa, se passa em uma casa no interior do Mato Grosso do Sul - um refúgio onde os poucos sobreviventes são tratados e tentam reconstruir suas vidas. Não é um conto com muita ação (até por que não existem perigos como monstros rondando os personagens, tudo o que eles precisam temer é a chuva radioativa, venenosa); mas isso é compensado pelos diálogos brilhantes e personagens bem escritos. Dentro dos poucos acontecimentos do conto somos levados às experiências de reflexão que os personagem passam - questões como: "ok, sobrevivemos ao fim do mundo. E agora?".
Por ser um conto tão instigante, ele se torna um dos mais brilhantes da antologia. O que não me agradou muito foi a forma como a história de amor se desenvolveu. O ritmo estava bom no começo, mas no fim senti que as coisas deram uma acelerada; me pareceu que no começo o sentimento de pena e compaixão que a protagonista sentia pelo seu amor se tornou algo forte demais muito rápido. A conclusão, nesse aspecto, me deixou um pouco a desejar, mas em todos os outros o conto é perfeito.
Futuro do Pretérito, Patrícia Loupee. Esse é, na minha opinião, o melhor conto desse livro. E um dos contos que certamente eu sempre vou lembrar como um dos melhores ever, sério. Futuro do Pretérito é dividido por duas linhas temporais. O Pretérito é narrado pelo ponto de vista de Angela, e o Futuro é narrado por Marcus. É um mundo dominado por zumbis, e, como um conto de tal gênero: cheio de ação.
No Pretérito somos levados ao ponto de encontro dos dois protagonistas. Conhecemos as suas vidas, motivações, e o desejo comum de ambos na torre de igreja que se encontraram. Não há zumbis aqui - apenas a humanidade, os desejos e sentimentos profundos que nos cercam diante de uma situação trágica como a agora encontrada. É aqui que nasce o amor. Já no futuro, somos levados para um ambiente apertado, cheio de corredores escuros e barulhos de tipos e passos. O casal está fugindo de grupos de zumbis que os perseguem cada vez mais - e estão em seu limite.
O conto passa alternando entre esses pontos de vistas e cada mudança temporal complementa cada vez mais a história, dando densidade e tornando-a real. Os personagens são muito bem caracterizados, e descobrimos um pouco mais deles a cada linha lida. O ritmo não apresenta quebra, e seu clímax se dá no final inesperado e chocante, mas, ao mesmo tempo, perfeito. Não poderia imaginar uma forma mais triunfante de terminar um conto do tipo. É, realmente, um conto para se recordar.
Para Você, com Amor; por Allana Dilene. O conto se passa em um mundo dividido em dois lados: os Azuis, soldados que lutam para o Governo e a Rebelião, um grupo de cidadãos descontentes. A guerra é a realidade. Conhecemos Ed, soldado dos Azuis que é capturado pela Rebelião e, ao longo do conto, começa a mudar de lado - com a ajuda de Kei, uma mulher dura e ao mesmo tempo apaixonante. A história gira sobre o fato de que ambos tem consciência de que irão, eventualmente, trair um ao outro.
Os personagens chamam atenção: principalmente Kei, que, na minha opinião, é a mais bem construída e marcante. Apesar de eu achar os diálogos um pouco superficiais, ela em especial tem algumas frases bem marcantes que couberam à sua personalidade. Em terceira pessoa, o conto tem um ritmo um pouco quebrado, na minha opinião: com diálogos um pouco expositivos e repetição de termos que me deram um cansaço ao ler, como se eu estivesse lendo cenas iguais (como a repetição de que a vida de Ed como prisioneiro é tediosa).
Mas a história é muito boa, o roteiro é muito bem feito, e a narrativa evolui de forma incrível - principalmente no seu final, com um desfecho surpreendente.
Sandarach, por Christiane Salles. A história desse conto é uma das mais originais em toda a antologia: a evolução de uma bactéria fez com que ela começasse a sintetizar e criar gás arsênio, que não demorou muito para cobrir toda a terra. Os animais evoluíram e viraram mutações capazes de sobreviver - mas os humanos, não. Assim que o gás começou a se espalhar, cidades foram envoltas em cúpulas gigantescas que permitia a vida sem o uso de máscaras - mas para viver nesses lugares, um alto valor é necessário.
Acompanhamos a história de Ninny e Devon, que vivem em bunkers trabalhando para o mercenário Mandelbrot. Os dois conspiram com Sabba para fugirem para uma dessas cúpulas. O conto é narrado em primeira pessoa, e sua linha de acontecimentos é bem estruturada, além de possuir personagens bem caracterizados, diálogos inteligentes e uma descrição primorosa do mundo caótico que se encontra.
Sandarach dá ao leitor tudo que ele pode quer: ação, romance, mistério e não deixa furos em sua história, não terminamos ela perguntando "e se...?". O jeito que a história de amor se desenrola é magistral, assim como o desfecho do conto - que tira o ar.
Uma Cidade Chamada Anomia, por Lidia Zuin. Lidia Zuin escreve bem, e isso é demonstrado forma como o conto escrito em primeira pessoa não perde o ritmo e o tom belo das palavras bem escolhidas.Conhecemos Trevor, que mora em uma metrópole como qualquer outra. Filho de de um Historiador, ele pode ser caracterizado como um "vândalo", que, após ler teorias escritas pelo seu pai em vida, passa a criar mensagens simbólicas pela cidade: desenhos criticando a política e a sociedade. Ele encontra seu antagonista na figura de Victor, concorrente a prefeito da cidade. Não demora muito para a polícia perseguir Trevor e ele encontrar Sophia, a oficial filha de Victor.
O que me incomodou um pouco em Uma Cidade Chamada Anomia foi a superficialidade em alguns aspectos do personagem principal: só vemos Trevor como um justiceiro das ruas, ele só fala da sociedade composta de pessoas vazias, da política suja, da falta de humanidade nos tempos atuais, enfim, só critica as coisas. Isso é tão repetitivo que em certos momentos o próprio personagem parece ser apenas um desses fantoches - ao invés de ser um anti-herói, que é a sua proposta, ele soa mais como alguém do contra, que tende a reclamar de tudo para se destacar.
Também senti falta de um roteiro mais focado no amor em si, e acredito que a relação entre os dois personagens que rodeiam o conto poderia ser melhor. Na realidade, senti falta de uma presença maior de Sophia no conto - ela parece apenas uma personagem que serve para Trevor ter algum objetivo durante a história; assim como senti falta de um desafio maior dentro da história, pois Victor, o "vilão", basicamente não aparece no conto inteiro.
Vitória, por Roberta Grassi. Esse conto é lindo, tá? Tá. em primeira pessoa, o protagonista (sem nome) nos insere a um mundo limitado por bunkers. O exterior é totalmente venenoso, pois a radiação cobre tudo e o Sol mata a todos. A vida nos bunkers é tranquila, mas padronizada: cada um tem seu exercício, e o nosso personagem principal é responsável por ir até locais de coleta de energia solar (devidamente protegido com roupas especiais, é claro) e levar os tubos carregados para sua base novamente. Nada muito especial. Quando Vitória chega, ele simplesmente se apaixona. É uma coisa de filme, mesmo. O personagem não tem jeito com as palavras, se enrola todo e quase nunca sabe o que fazer quando perto dela. Chega a ser cômico.
Claro que problemas exteriores surgem e dão um tom mais apocalíptico para o conto a cada página lida, e isso somente complementa a história bem escrita, com roteiro desenvolvido, personagens profundos e diálogos inteligentes e reais que se apresenta ao leitor. A história é cheia de altos e baixos que deixam o leitor cada vez mais ansioso por mais, e seu desfecho é surpreendente.
Não podia existir maneira melhor de terminar aquele conto. Nem o livro.
Em um aspecto geral, o livro é muito bom. A capa é muito bonita, assim como toda a diagramação do exemplar: os contos são equilibrados e diversos, e agradam a todos os tipos de leitor, pois apesar de tratarem o amor, eles tem muita originalidade e cenários que variam do terror até algo mais mimimi. Bem distribuídas, as histórias não se parecem em nenhum momento com as outras, surpreendendo o leitor.
Realmente, um ótimo livro, e eu sinceramente recomendo a todos.
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