A Mão Esquerda da Escuridão - Ursula K. Le Guin, por Trinta.

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Vocês não vão acreditar no motivo que eu tive pra ler este livro. Muitos me considerarão bobo e inculto. Outros provavelmente me olharão com uma cara de "Você não tem mais nada para fazer da vida?". Eu, no entanto,  espero que exista um terceiro grupo que apenas solte umas risadas e replique um "Ok, acho que eu já fiz algo parecido". Bom, por onde começar? Alguém aqui já viu O Clube de Leitura de Jane Austen? Eu sei, eu sei, não exatamente o começo mais esperado para essa história...

Bem, existe uma personagem nesse filme chamada Jocelyn que é o que eu chamaria de uma Emma da atualidade. Após a separação de sua melhor amiga com o marido, a doce casamenteira tenta reencontrar um amor para sua velha parceira...  Amor o qual, ela acredita estar no charme de Grigg, um jovem nerd um pouco fora dos padrões. Assim, Jocelyn o convida para participar de um clube de leitura só de livros da Jane Austen para, quem sabe, juntar o casalzinho indiretamente. Só que Grigg, na verdade, se interessa por Jocelyn e tenta constantemente interessá-la em seus ~livros estranhos~ de ficção científica. E entre esses livros estava, nada mais nada menos que A Mão Esquerda da Escuridão da Ursula K Le Guin. (Sim. Foi um personagem fictício que me fez ler esse livro, me apedrejem!)


Isn't he like... adorkable?

Ok, ok, deixando o Grigg de lado, foi através dessa viagem que conheci esse clássico da Le Guin, uma obra de 1969 que revolucionou o universo sci-fi ao incorporar política e feminismo dentro de  uma narrativa fantástica. Em A Mão Esquerda da Escuridão, Ursula nos apresenta para o emissário Genly Ai, um alienígena que vive a dois anos no planeta Inverno para tentar convencer seus habitantes a se unirem ao Conselho Ecumênico, uma organização composta por vários planetas (incluindo a Terra) para construir um meio de comunicação entre as espécies. Entretanto, Genly Ai logo descobre que sua tentativa de abordagem pacífica ao planeta - afinal, ele foi o único enviado do conselho para realizar a missão - se mostra  uma estratégia pouco convincente para cair nas graças do Rei Argaven de Karhide e mesmo com a ajuda um tanto questionável do primeiro ministro Estraven, sua jornada em busca da união entre povos levará muito mais tempo do que imaginava.

Fonte: site da Ursula Le Guin
"Conselho Ecumênico é um organismo místico, não um organismo político. Eles consideram todo começo muito importante. Começos e meios. Sua doutrina é justamente o oposto daquele em que os fins justificam os meios. Sendo assim, agem de modo sutil e vagaroso, ao mesmo tempo estranho e arriscado, do mesmo modo que a evolução, que, em certo sentido, é seu modelo..." (pág 208)

Genly Ai, por ser um estranho nesta região de Gethen, passa a vivenciar de perto toda a organização social, política e cultural dos povos de Inverno, mais especialmente das terras inimigas de Karhide - uma monarquia abrupta e cheia de reviravoltas - e Orgaryen - uma burocracia parlamentar onde as decisões são tomadas quando você menos espera. Aos poucos, vamos conhecendo esse território fantástico e ganhando uma nova visão não apenas desse vasto universo criado por Ursula mas até de nós, seres humanos, ao compararmos nossa raça aos gethenianos. Há um ponto crucial para entendermos a série de questionamentos levantados durante a obra - Os habitantes de Inverno são ambissexuais, ou seja, possuem dentro de si tanto o sexo masculino quanto feminino. É como um mundo em que nenhuma dicotomia entre os sexos é feita e o yin e yan é realmente visto como um só.  

"Vida e morte são como amantes na unidade do êxtase - dois em um - como mãos postas, uma contra a outra, são o princípio e o fim."(pág. 188)
 Além de me surpreender com os rumos que a história tomava a cada capítulo (O livro é dividido entre as narrações de Genly Ai e Estraven, o que nos presenteia tanta com a visão alienígena dos fatos quanto a perspectiva de um habitante local), A Mão Esquerda da Escuridão é rápido e abrupto, uma leitura muito mais leve do que eu aparenta. Os poucos momentos que diminui o passo foram por puro deleite da escrita de Ursula, que nos dão belíssimos quotes como esse:

"Um estranho é uma curiosidade, dois são uma invasão." (pág. 166)
Sem grandes floreios, Ursula nos coloca para refletir em cada uma de suas passagens, lançando perguntas estupidamente óbvias  referentes a questões como a natureza da guerra e a supremacia que a história sempre deu ao sexo masculino (Uma crítica fielmente encaixada com o contexto histórico e social da autora). Em diversos trechos, tive que soltar um "uau" baixinho  pela sagacidade da mulher. Simplesmente fantástico. Um trabalho feito para ser lido, discutido e repassado para todos que ainda procuram por alguma fé na humanidade.
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